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Certificado BSCA – Canephora

Com selo e certificado, canéfora se junta ao rol dos cafés especiais

O café arábica, até hoje considerado sinônimo de alta qualidade, não está mais sozinho.

Flávia G. Pinho (Folha de S. Paulo)

No dia 27 de abril, um lote de 250 sacas de café conilon, variedade da espécie canéfora produzida pela Família Venturim, do Espírito Santo, recebeu o certificado inédito pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) —até hoje, só os da espécie arábica tinham sido certificados.

Grãos de café robusta, cultivados por Leandro Dias, em Rondônia – Divulgação. (Folha de S. Paulo todos os direitos reservados)

No dia último dia 1º, o canéfora rompeu outra barreira. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu o registro de Denominação de Origem Matas de Rondônia, também inédito para grãos da espécie, aos cafés robusta produzidos em 15 municípios da região amazônica.

Comumente associado a cafés de baixa qualidade, destinados sobretudo à indústria de solúveis, o canéfora começou a mudar de cara em 2007, quando Lucas Venturim, 39, assumiu com o irmão, Isaac, a fazenda da família, localizada em São Gabriel da Palha (ES).

“Comecei a visitar produtores de arábica especial para entender o que faziam de diferente, e era muita coisa. Aplicamos esse conhecimento aqui sem saber se daria certo, nem se teríamos mercado”, lembra.

Onze anos depois, em 2018, os Venturim colheram um lote que obteve 90 pontos pelo método de avaliação da Specialty Coffee Association (SC) —para ser considerado especial, a pontuação mínima exigida é 80.

Formalmente associados à BSCA, primeira associação no mundo a abrir as portas a produtores de canéfora, os irmãos foram então em busca de clientes.

Já em 2019, fizeram as primeiras exportações para a Rússia e a Alemanha —metade da produção atual vai para o mercado externo.

Eles continuaram fornecendo seu conilon à indústria, mas com outro status. Vem de suas lavouras, por exemplo, o café premium Nescafé Origens do Brasil Pontões Capixabas.

O restante da produção vai para o e-commerce próprio ou para cafeterias como o Coffee Lab, da barista Isabela Raposeiras, e a rede Santo Grão, onde é comercializado com o nome 0% Arábica. O primeiro lote certificado foi para a cafeteria Be Brave Coffee, em Sorocaba, no interior paulista.

“Ainda há muito trabalho de convencimento a fazer, mas o mercado está mais consolidado, temos clientes pulverizados pelo Brasil. A entrada das grandes marcas ajuda a popularizar o conilon entre o público não especializado, que não tem moedor em casa”, aposta Venturim.

Grãos de café robusta em processo de torra na fazenda de Lucas Venturim, no Espírito Santo – Divulgação

Bem longe dali, em Rondônia, o otimismo também toma conta dos produtores de café canéfora.

Vice-presidente da Cooperativa de Agricultores Familiares da Amazônia (Lacoop), Leandro Dias Martins, 37, foi pioneiro na região e conseguiu disseminar a cultura do robusta, outra variedade do canéfora.

Concentradas na região oeste do estado, as 25 propriedades cooperadas são predominantemente familiares, com apenas quatro hectares em média.

Todas estão investindo em estufas, terreiros de secagem suspensos e na técnica de fermentação induzida, que aumenta a complexidade sensorial.

“Ganhamos concursos na Associação Brasileira da Indústria de Café e já começamos a mandar amostras para grandes indústrias de outros países. Dizem que nosso robusta supera o do Vietnã e está em pé de igualdade com o indiano e o indonésio”, orgulha-se Martins.

No Brasil, parte desses cafés amazônicos premiados acaba de chegar ao mercado com a nova marca Remmo, nas versões em grãos e em cápsulas, vendidas pela Companhia dos Fermentados.

É só um começo —a produção de canéfora de alta qualidade promete deslanchar no Brasil.

Com 6.300 associados, sendo 80% de propriedades familiares, a Cooperativa Agrária de Cafeicultores de São Gabriel da Palha firmou convênio como o Instituto Federal do Espírito Santo para a realização de cursos de capacitação.

“É só uma questão de virar a chave e produzir de outro jeito”, acredita o presidente da cooperativa, Luiz Carlos Bastianello, 58.

O investimento em irrigação e maquinário é alto, mas a produtividade dobra, assim como o lucro —Venturim revela que já vendeu microlotes por preço três vezes mais alto do que a tabela.

Terceira geração de produtores do município de Pinheiros (ES), Thiago Orletti, 38, tem 1.800 hectares plantados com cafés conilon. Das 100 mil sacas anuais que produz, apenas 5.000 são classificadas como cafés especiais.

Sem marca própria, os lotes são vendidos a indústrias e pequenas cafeterias, mas Orletti vê futuro no segmento e não esconde o entusiasmo.

“Muita gente torce o nariz para o conilon porque não conhece os novos cafés fermentados, que proporcionam uma explosão de aromas. Queremos reforçar nossa identidade de cafés produzidos no nível do mar. É uma bebida jovem de beira da praia, que não tem nada a ver com montanha”, define o produtor.

Outra característica do canéfora que pode atrair o consumidor jovem é a concentração de cafeína, até 50% maior comparada a dos cafés da espécie arábica.

Já o amargor pronunciado ficou no passado, explica Isabela Raposeiras.

“Muita gente espera um café amargo, com notas de amendoim e terra molhada, mas se surpreende. O último lote de conilon capixaba que vendi, da Família Venturim, estava especialmente frutado”, diz a barista, que comercializou o pacote de 250 gamas a R$ 50, mesmo preço dos melhores arábicas disponíveis na cafeteria.

A quebra do paradigma entre os coffee lovers pode até demorar, avalia Giuliana Bastos, uma das criadoras da São Paulo Coffee Fest.

Segundo ela, a supremacia do arábica vem sendo reforçada há mais de uma década e, para que o público mude sua percepção, leva tempo. Mas ela acredita que o movimento já começou.

“Quem frequenta cafeterias está experimentando canéforas especiais e ficando encantado. São cafés bem cuidados, com notas sensoriais surpreendentes de frutas vermelhas, especiarias, uísque e até florais. Esse público já foi picado.”

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